sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Audiência Pública Ferrovia Leste Oeste

GRAVURA DA EQUIPE DE VON MARTIUS

A APA da Lagoa Encantada e Rio Almada é uma história de amor antiga, muito antiga, não sei quantos milhares de anos louvamos esse extraordinário cenário da natureza. Uma paisagem que atraiu os estrangeiros desde os primeiros dias do descobrimento, e que era considerada a mais forte expressão da riqueza de nossa terra. Primeiro encantou o históriador lusitano e propagandista da colônia, Pero de Magalhães Gândavo, com descrições em Tratados do Brasil (1570), depois Gabriel Soares de Souza, empresário português e também colono, que vivenciou esse espaço e o relatou em um clássico livro da história do Brasil, Tratados Descritivos do Brasil. Em 1818, dois dos maiores naturalistas da história do mundo, o etnólogo e botânico Von Martius e o zoólogo Von Sprix, também estiveram aqui onde recolheram centenas de especimes que hoje fazem parte da base da coleção do Museu de História Natural de Monique. Em 1820, mais um visitante ilustre, o grande amante do Brasil, o principe alemão Maximiliano de Wied.

Mas agora, este cenário extraordinário pode agredido, se o governo construir um complexo aeroportoferroviário e industrial justo aí, no lugar de sonhos do passado, e de promessas de um futuro que estamos construindo com a história de nossas vidas.

* As informações históricas acima fazem parte da reportagem de Marcos Luedi para o Jornal Encantos da Lagoa da ONG Abará.
* Aguardem ilustração fotográfica e audiovisual que estamos decicados a produzir para que nossa região, estado, país, e o mundo inteiro possa conheçer mais, e melhor, a Área de Proteção Ambiental da Lagoa Encantada e do Rio Almada. Se voce não pode realizar uma visita para comprovar o que estamos dizendo, se adiante e assista o vídeo Descobrindo a Natureza, de 2002, em nosso Portal Vídeo Ecologia.
* Amanhã, sábado, acontece uma audiência pública sobre a Ferrovia Leste-Oeste. Não deixe de participar pois que não participa, assim como quem não se comunica, se estrumbica, como dizia o velho guerreiro Abelardo Barbosa, e quem dorme no ponto perde o bonde, e, nesse caso, a oportunidade de defender seus direitos e convicções.
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* Resista as adversidades e faça o possível para ir, mesmo considerando que essa audiência está moralmente invalidada pela inviabilidade de participação da grande comunidade em razão do horário estipulado de 20:30 horas, considerando que as cidades de região como Almadina, Coaraci, Itajuipe e Barro Preto, e a totalidade dos distritos não dispoem de transporte coletivo para atender a esse horário.

* Participe, pois, uma ferrovia, uma estrada, um porto, uma terra indígena, um assentamento de reforma agrária, um parque, uma reserva florestal ou marinha, ou uma industria pode estar sendo concebido sob os seus pés enquanto voce dorme. E isto pode ser bom ou ruim pra voce... Como podemos saber?, se voce não se apresenta e não ocupa o seu espaço !
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UMA HISTÓRIA DE VIDAS
por Paulo Paiva
Desde que o governo brasileiro anunciou sua decisão de construir uma grande infra-estrutura industrial e de transportes, sobrepondo-se ao mais importante remanescente florestal da mata atlântica nordestina, temos procurado gerar informações que aprofundem um diálogo aberto, técnico, sério, sincero, e sem motivação política.
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Não somos contra o progresso da industria e sabemos das urgências brasileiras. Somos contra a degradação ambiental e os modelos de desenvolvimento que não valorizam a ruralidade nacional, e os desejos das comunidades tradicionais que dependem das florestas, dos rios e do mar.
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O objetivo do painel socioambiental Acorda Meu Povo é a conservação do meio ambiente, através da educação ambiental, que implica em práticas e valores de uma sociedade democrática, e uma visão ampla da questão ambiental, intimamente relacionada com as questões econômicas, sociais e culturais.
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Temos dito sim às boas práticas que visam melhorar os péssimos índices de desenvolvimento humano do sul da Bahia e que qualificam a defesa de nosso patrimônio ambiental, apoiando sempre, o que é dito e feito em favor dessas causas.

O projeto de desenvolvimento do litoral da Bahia apoiado na conservação e no turismo como carro chefe demonstrou ser sustentável. Se em um primeiro momento nos parecia agressivo ao ambiente e as comunidades, vimos que esse modelo tornou-se um importante aliado da conservação, sobretudo, através do gerenciamento participativo de unidades de conservação baseado em areas de proteção ambiental - APA.
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Também criticamos quando as pessoas e os governos não demonstram capacidade e interesse em resolver nossos problemas, e sempre estamos a reclamar as promessas não cumpridas como o projeto rodoviário da BA Ilhéus-Itabuna, que alcança uma década sem solução, prejudicando o nosso desenvolvimento e qualidade de vida. Também, o desisteresse dos municipios em levarem a sério seus Planos Diretores de Desenvolvimento, permitindo toda sorte de ocupação irregular.

Muda o governo, mas os desafios continuam os mesmos, e nosso papel é continuar informando, como fizemos na reportagem Estrada Ilhéus-Itacaré: Dez Anos Depois. Mas quando vemos uma boa política, um bom projeto socioambiental nos aliamos a ele, como é o caso da política de territórios e a regionalização de ações na área cultural, e programas em favor dos quilombolas, índios, e, especialmente dos agricultores familiares.

Quanto ao PAC da infraestutura, refletimos juntos que ele caminharia melhor com o aval da ex-ministra Marina Silva, e teria maior respaldo se utilizasse em sua concepção a rede de participação social proposta pelo Sistema Nacional de Meio Ambiente. A ministra deixou o governo e, desconsonante com nossa tradição em conservação, e nossa missão nacional de ensinar o mundo a cuidar do planeta, logo apareceram na mídia os gritos e sussurros do povo contra o impacto de algumas obras do programa.
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Agora, um projeto industrial toca em nós diretamente, no nosso municípo, em um espaço de referencia da história de nossas vidas. A principio, não somos contra um projeto de transportes e comunicação que possa sintonizar melhor a economia brasileira com o mundo, mas é uma infelicidade que atravessando todo o Brasil ele tenha que vir dar justo nesse lugar, desconstruindo sonhos de desenvolvimento sustentável que estão se realizando.
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Precisamos de portos e aeroportos, sem dúvida, mas precisamos também de uma nova mentalidade, como disse o presidente Lula, referindo-se a siderurgia, onde possamos parar de pensar apenas em vender matéria prima bruta, que é uma herança do Brasil colônia. Nós sabemos como ninguem, como isso é ruim, pois demos nossas vidas para abastecer o mundo inteiro de cacau, e não repartimos com ele a fama do chocolate, e nem o respeito a nossos agricultores.
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Precisamos exportar produtos consistentes de nossos saberes e tecnologias, e sabemos que portos são necessários, mas precisamos aprender a contruir portos sem destruir tanto. Como ilheenses, conhecemos muito bem o que isto significa, pois tivemos nossa cidade desfigurada e grandes prejuízos ambientais com a construção do Porto Internacional do Malhado na década de de 70, durante o regime militar, sem que a sociedade fosse avisada sobre os impactos.
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Mas o que eu nunca pude imaginar é que algum dia o governo poderia pensar em construir uma ferrovia, um novo porto e um complexo industrial no lugar da Mata Atlântica das praias do norte de Ilhéus. Mas agora o regime é democrático, e nós podemos mostrar ao governo que o local do Porto Sul está errado do ponto de vista socioeconômico e ambiental, apostamos no debate e no diálogo.
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O projeto apareceu de uma hora pra outra, sem consultas prévias, nem aos prefeitos, e quando o dia amanhaceu, havia um grande projeto industrial para o lugar que tanto lutamos para proteger, descontruindo uma série de políticas federais, estaduais e municipais de planejamento do uso e ocupação do solo, acertando em cheio uma esperança para a mata atlântica no nordeste, condenada a morrer em sangradas ilhas verdes, sem suporte ambiental para sua biodiversidade; uma floresta virando jardins botânicos de um bioma modificado drasticamente pela ação humana.

O que resta da Mata Atlântica está em pequenas áreas da Serra do Mar, Mantiqueira e Serra Geral, e mais de 90%, em parques e reservas, porque a maior parte dessas serras também foram desmatadas. Com a Mata Atlântica na planície litorânea foi muito pior, não sobrou quase nada, e a maior parte do que sobrou está aqui no sul e extremo sul da Bahia, onde lutamos para conectar fragmentos florestais e permitir que uma espécie de Arca de Noé possa proteger o futuro de milhares de espécies, e nos beneficiar com inúmeros serviços ambientais como a conservação da disponibilidade de água potável.
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Não bastasse tudo isso, os ecossistemas do local previsto para ocupação aeroportoferroviária e industrial no litoral norte da cidade de Ilhéus tem um conjunto de remanescentes diferenciados de qualquer outro em todo o litoral. É uma área referencial da exuberância e fragilidade ambiental da provincia atlântica.
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Um mosaico de ecossistemas integrados de grande valor para a conservação inclui um parque que detém o recorde mundial de diversidade de árvores - Parque Estadual do Condurú, muitos riachos e cachoeiras, a formação do maior lago natural de água doce do estado da Bahia, que é a Lagoa Encantada, vários estágios de mata de restinga, matas alagadas de água doce, as vezes sob influencia da maré se desenhando com bancos de areias, muitos brejos, pequenos lagos que chamamos de Japara, o mangue doce de plantas hidrófilas, absolutamente extraordinário, e os manguezais na enseada, enfim, um cenário único e um santuário da mata atlântica.
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A professora Rute Colares e o ambientalist Andre Ruschi, em 1986: vivência de campo e matemática da biodiversidade da região da APA da Lagoa Encantada e Rio Almada..

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Estudos indicam que essa terra dos guiamuns seja o pico nacional de biodiversidade da Mata Atlântica, e sua manutenção está diretamente relacionada à salvação dos bioatributos do bioma como um todo. Não é atoa que essa área se tornou "a menina dos olhos" de ambientalistas e amantes da natureza não apena no passado, mas, sobretudo, nos dias atuais, sendo o principal alvo de projetos de conservação e valorização de comunidades tradicionais de ONG´s regionais, nacionais e internacionais. Projetos de excelencia que envolve uma geração de gestores ambientais competentes e organizações regionais que se tornaram referencias nacionais como a ABARÁ - gestora da APA, o IESB e o Instituto Floresta Viva.
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O anuncio do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC de atingir em cheio essa área com um grande desmatamento, tornou-se o anuncio eminente de impactos imprevisíveis, que nenhum Estudo de Impacto Ambiental pode prever, pela falta de informações suficientes para um manejo tão drástico desses recursos.

Tenho participado da luta pela salvação da mata atlântica por toda a minha vida, e tenho participado desse processo como jornalista e Conselheiro da APA, e sempre pergunto as autoridades quanto se vai desmatar, porque eu considero a árvore de pé a melhor referência para essa questão. As respostas ainda não existem claramente, e toda a sociedade precisa ouví-la claramente, por isso vou continuar me dedicando à democratização das informações ambientais para que possamos decidir nosso destino conscientemente, e de forma alguma, essa floresta seja prejudicada.
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A luta ambiental que acredito nunca esteve em um lugar diferente da luta pelo homem, especialmente pelos pobres do Brasil, e quero continuar acreditando que nós vamos encontrar uma forma de evitar esses impactos, que tem um significado de suicídio para a mata atlântica, varrendo do mapa um “biomosaico” que não existe em nenhum outro ponto do litoral brasileiro.

Acredito que o santuário ambiental do litoral norte de Ilhéus tem a energia própria necessária para se defender, pois sua degradação tem a dimensão do mais grave impacto contra a mata atlântica desde a redemocratização do Brasil. A presença de Carlos Minc no governo me anima, pois ele é nosso aliado, nossa maior expressão política vinculada a defesa da Mata Atlântica, e há de nos ajudar. Confio no diálogo para encontrarmos alternativas, e se é fato inquestionável que temos vocação para um grande pólo industrial brasileiro, que isto não jogue fora a história de nossas vidas.

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