sexta-feira, abril 16, 2010

Audiência do Terminal Privativo da Bahia Mineradora em Ilhéus


por Paulo Paiva
com fotografias de José Nazal e Fabio Coppola.


Foi um momento difícil para Ilhéus, pois não realizamos uma audiência pública realmente voltada para esclarecer os impactos ambientais do Terminal Privativo da Bahia Mineradora, e o que eles significam como projeção de impactos do Complexo Porto Sul como um todo, que é o que interessa, já que esse projeto é o ponta pé inicial de uma série. 

O projeto Complexo Porto Sul, é um projeto em partes, mas somando-se as partes, é candidato ao mais impactante do PAC, isto por que atingi em cheio a biodiversidade da mata atlântica, e as comunidades tradicionais do litoral norte de Ilhéus.

Mas nossas elites formadoras de opinião resolveram minimizar os fatos, não buscando o aprofundamento e o questionamento natural da discussão do modelo de desenvolvimento e seus impactos para o sul da Bahia. 

Complexo Porto Sul, esse é o nome do projeto anunciado pelo governo ao desopropriar 1.700 hectares estratégicas para a mata atlântica, jardim botânico de pesquisadores, núcleo de projetos ambientais, e, acima de tudo, meio de vida de um conjunto de comunidades tradicionais, excluídas dos beneficios básicos do desenvolvimento, e dependentes desses recursos para sobreviverem.

No entanto, nós, agarrados no fantasma da crise, dissemos sim, sim e sim, a ponta de lança do Complexo Porto Sul, o porto da Bamin. Um sim ingênuo, sem restrições, sem condionantes, sem certezas quanto ao manejo dos impactos socioambientais. Cegos diante do manto verde que em dez anos tornou-se internacionalmente conhecido, voltamos a acreditar em um milagre econômico, nos sentimos sorteados pelo progresso. 



AS IMAGENS FALAM DE UMA RIQUEZA PATRIMONIAL DA HUMANIDADE !

Eu que conheço bem a área, sinto falta do uso de imagens em todo esse processo. Elas dizem muito, e nos permitem conhecer um pouco melhor o que está em jogo. A foto acima, por exemplo, é do lugar exato do Terminal Portuário da Bamin, âncora de outros projetos, que implicarão em novas desapropriações e compra de terras por empresas. 

O IBAMA e os empreendedores tem essas imagens na cabeça. Eles vão lá, sobrevoam a área, mas evitam mostrar ao povo, pois, diante delas, qualquer ser humano, por menos sensível que seja, naturalmente se pergunta, não existe mesmo outro lugar? Para o traçado da ferrovia, não existe. Ela atravessou o Brasil inteiro e acertou o 1% que resta de mata atlântica do litoral nordestino. 



Fizemos nossas contas nas pressas, e não percebemos que, se o o Brasil vai ganhar muito, o sul da Bahia já começa perdendo, vendendo nossa galinha dos ovos de ouro, corrompendo mais uma vez o nosso espaço e desrespeitando nossas vocações e nosso trabalho. 

Impactos socioambientais são certos, e o destino de nossas comunidades tradicionais, poderá ser, à partir da aprovação do projeto, incerto. Pescadores, catadores, marisqueiras, todo esse povo que depende desse ecossistema para sobreviverem estarão mais vulneráveis ainda, e a tendência de expulsão e perda de suas terras, uma realidade. Essa é uma história que se repete, e que já aconteceu muitas vezes em nosso imenso litoral.



Mas como foi a audiência? Um circo de vaias e aplausos roubou sua cena técnica, e as reflexões ecoaram em ruídos antagônicos, algumas vezes manifestações desesperadas do sim e do não, um ambiente onde não da mesmo pra enxergar o bicho, a planta, o catador de guaiamum.



Uma audiência marcada pela ausência, ou silencio dos nossos principais ambientalistas, já desiludidos com a determinação do IBAMA de conduzir o EIA - RIMA em parceria com os empreendedores, orientados para viabilizar a aprovação, subordinado-se ao governo. Na audiência da ferrovia, houve maior participação, mas a ironia do IBAMA em desvincular os projetos de porto e ferrovia, impedindo a todos conhecer a dimensão real da intervenção que se pretende fazer, fez os técnicos e pesquisadores baianos se sentirem tratados como idiotas.

A falta de informações precisas, e a dificuldade de comunicação com a sociedade regional é absolutamente evidente. A confusão é tanta, que um dos presentes foi publicamente constrangido a voltar pro final da fila de inscrições de perguntas, por ter formulado sua questão se referindo ao Porto Sul - "o senhor se inscreva de novo nomeando adequadamente o empreendimento em questão", disse a representante do IBAMA. Só que tem um detalhe, saibam que o principal jornal de Ilhéus, o "Diário de Ilhéus" estampa em sua primeira página de 15 de abril de 2010: “Porto Sul tem audiência e investimentos de 4 bi".

Pra quem não sabe, o Porto Sul é um outro projeto, sem previsões e recursos, é outro porto, o público, no mesmo lugar, escorado no Porto da Bamin, e os dois fazem parte do Complexo Porto Sul, um megaprojeto que tem tudo que você e o governo possa imaginar como atrativo para o progresso industrial. Entenderam? Não se preocupe, isto são apenas cenários, ninguém sabe ao certo onde vai dar, nem mesmo o governo. E se tudo acontecer, vamos entendendo aos poucos o que disse o professor José Adolfo da UESC, "em impacto ambiental, as vezes, a soma de um mais um pode ser maior que dois".



Era um momento de reflexão sobre o meio ambiente, onde a autoridade maior era do povo da região e seus interesses, mas preferimos colocar o tapete vermelho para os empreendedores, afinal, somos carentes de tudo, e nossa carência, como criança faminta, nos impede de pensar, e assim a audiência ambiental enfraqueceu diante do apelo econômico.

Políticos, empresários, associações, ouvimos muitas moções de apoio de tudo quanto é classe e comunidade. Algumas manifestações de apoio me deixaram intrigados, como a de uma moradora do São Miguel, onde dezenas de famílias já perderam suas casas, e continuam perdendo por conta da invasão do mar resultante do Porto do Malhado, sem que tenham recebido nem um centavo de reparação do governo, se declarar a favor do empreendimento, sem mencionar tais fatos. Mais intrigante ainda, a Associação de Moradores da Ponta da Tulha, que será atingida diretamente pelo Complexo, e que poderá ser, literalmente, varrida do mapa, não demonstrar preocupação.

Era uma audiência pública sobre impactos ambientais, mas preferimos vaiar quem se preocupasse com eles. Restou a coragem de um promotor, que, desamarrado, mostrou um Ministério Público livre em favor da legislação ambiental, argumentando a ilegalidade do empreendimento. O homem foi veementemente vaiado e aplaudido, e teve que se retirar as pressas do local para evitar problemas.

No final é isso, o debate ambiental entra pelo “sem sentido”, se discute a AIDS, a prostituição e o sexo dos anjos; ouve-se e anota-se tudo, para que audiência seja encaminhada. E assim, diante de uma plateia com pouco nível de esclarecimento, fica fácil para a biodinâmica validar suas conclusões, diante de uma platéia orquestrada e um IBAMA que se mostra irreconhecível, figurando como licenciador de programas do governo. 

Parece que estamos vivendo a década da hipocrisia ambiental, da manipulação do EIA-RIMA. Agora tudo é possível, tudo tem compensação, uma expressão qualquer como balanço de supressão zero resolve o problema do desmatamento. Estamos tirando onda de Deus, podemos recriar a natureza, os rios, as florestas e o mar, e no meio disto, a intricada problemática de proteção dos biomas brasileiros perde espaço, se torna anti-econômica e é tratada como política de menor importância. 



A biodinâmica concluiu seu relatório com mais de 30 programas de monitoramento. Ninguém perguntou como eles serão feitos, quanto custa, quem vai pagar. E assim, o relatório é favorável ao empreendimento sem anunciar concretamente, nenhuma medida compensatória. Ninguém reagiu, nenhuma reação dos representantes do município sobre ativos ou passivos ambientais. Nada. Fomos movidos pelo barulho da aprovação compulsória, imediata, e perdemos sim, uma oportunidade de firmar compromissos com a proteção ambiental, e com critérios claros de exploração de nossos recursos.



Assim fica fácil para qualquer empreendedor, bem ou mal intencionado, se instalar por aqui, se afinal, não temos nossos critérios, e não dá para racionalizamos o nosso desenvolvimento. Mas a mata ainda está lá, e vamos continuar lutando por ela porque acreditamos que essa é a nossa maior riqueza, a que vai perdurar muito além das riquezas do subsolo, e nos trará plenitude e prosperidade no futuro.



Valeu meu parceiro Marco Penha, que corajosamente questionou a falta de transparência do processo de licenciamento (o segundo mais vaiado depois do promotor), que me dizia "alguém está mentindo ! Vamos descobrir quem é.".

Eu também me posicionei de forma crítica, pois, não posso mentir pra mim mesmo, uma questão de consciência, afinal, luto pela conservação dessa mata desde muito jovem, e não me canso de repetir, nunca imaginei que o governo pensasse um dia em construir um complexo industrial nesse lugar. 

No meu breve pronunciamento´, tentei cumprir os rigorosos três minutos, mas fui interrompido aos 3 minutos e 15 segundos, com o microfone desligado "na minha cara", apesar de eu implorar por dez segundos que faltavam para terminar de ler meu texto, fiquei no meio do último parágrafo, e pra piorar o assistente de som não veio reposicionar o microfone adequadamente, piorando ainda mais minha comunicação. Eu quis falar do recorde de biodiversidade, e da grande luta de toda a sociedade com apoio do CONAMA e do IBAMA para proteger essa mata, e como esse lugar, ora projetado para o Complexo Porto Sul, tornou-se referencia internacional da ecologia. 

Um patrimônio da humanidade, que, nós, por pressa, confusão mental, deslumbre com o desenvolvimento, estamos deixando de defender. Não sou contra a Bamin, apesar de não concordar com a estratégia publicitária adotada pela empresa, mas questiono sim, se são éticos com suas profissões aqueles que assinam pela Biodinâmica a viabilidade do projeto. Mas a convicção maior é que o governo está errando em permitir a agressão a uma área que cumpre importante função de utilidade pública de apelo universal. 

Vivemos uma espécie de neurose ecológica. Se a mata de pé começar a ser lucrativa, todo mundo vira ecologista, mas se for o contrário, agente passa o trator. O cacau? Quase não tocamos nesse assunto, já é passado. Até mesmo o turismo, segunda atividade mais lucrativa do município, e a mais solidária, e que está em plena expansão, está sendo criticada. 

Mas o que vale é não se omitir, e que todos saibam que o nosso trabalho é de democratização da informação, é de educação ambiental, e só tem um objetivo, refletir e promover a reflexão para que o desenvolvimento do sul da Bahia seja parceiro da conservação ambiental.

Valeu ver Maria do ocorro, presidente da Associação Ação Ilhéus, lutar com coragem e obstinação de comunicar e informar o povo não apenas sobre esse projeto, mas sobre os tantos problemas e desafios do povo dessa bela cidade.  Belo trabalho de liderança Socorro ! Apesar de alguns confundirem a sua luta, e não lhe prestarem o devido respeito e reconhecimento. O futuro nos dirá, afinal, o que vamos repartir, se os lucros e/ou prejuízos, mas de certo, a história, nos estamos escrevendo agora. 

É tudo verdade!, o que temos dito, eu, você, e tantos outros técnicos, biólogos, pesquisadores, professores e especialistas. Teremos um impacto grave, especialmente a mata atlântica, mas se não conseguirmos redirecionar esse projeto para outra localidade mais apropriada, certamente, tudo o que estamos dizendo servirá de cartilha e alerta para que não aconteça.

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