sexta-feira, dezembro 04, 2015

O Incêndio na Pedra de Santa Rita


Uma APA em chamas, desde o litoral até as cabeceiras do Almada, como tenho denunciado abre frente para um modelo de ocupação predatório, deixando danos irreversíveis para a água e biodiversidade no sul da Bahia. Para piorar essa situação, nesta terça-feira, dia 3, observei uma cortina de fumaça no litoral norte de Ilhéus que me chamou atenção. No dia seguinte ela persistiu e resolvi ir lá. Foi inédito para mim ver a sagacidade do fogo subindo e atingindo o topo do morro da Pedra de Santa Rita.

Com a seca e calor sem precedentes no sul da Bahia, o avanço do desmatamento por queima atingiu o seu pico, ameaçando um dos mais bem protegidos, e um precioso remanescente de mata de encosta do município ao longo da rodovia Ilhéus - Itacaré. Não é um problema da estiagem, mas um arbítrio da ação humana - descontrolada, repetida, anunciada e ignorada. Tenho acompanhado os estragos do "fogo sem lei" no litoral norte de Ilhéus desde a fundação da rodovia. Sempre alertamos a necessidade e obrigação governamental de legislar sobre o assunto, fiscalizar e dar uma resposta à população sobre que tipo de conduta deve ser adotada na APA (Área de Proteção da Lagoa Encantada e do Rio Almada). 

No local, encontrei com o proprietário, um descendente da família Lavigne, e um esforço grande, envolvendo a SEMA, órgão estadual responsável pela gestão da APA, Corpo de Bombeiros, o dono da fazenda, e guias da região. Indaguei a diferentes atores, opiniões sobre a origem de tanto fogo na rodovia, e até a combustão espontânea foi citada pelo agente qualificado, mas os moradores locais atribuem a onda de queimadas à ação humana: São os caçadores! Eles denunciam que locais como Tijuca e Brejo Grande, próximos ao Condomínio Joia do Atlântico também estão em chamas, e o local é alvo dos caçadores. 

Mas não são apenas os caçadores que perseguem os últimos jacarés e capivaras que ainda possam existir nesse local que preocupam. Há dois anos eu participei de uma reunião com um representante dos movimentos sociais que iniciavam a ocupação no Joia do Atlântico. Hoje, as ocupações se estendem por dez quilômetros da rodovia. Queríamos sensibilizá-los para a proteção, pois todos sabemos que por detrás dessa paisagem linda, e o problema ambiental que nos aflige, reside um problema social grave e complexo, e que exige, processos contínuos e mudanças lentas. O problema é que a forma de ocupação tem sido predatória, e os movimentos sociais também precisam se convencer dessa realidade. 

O fogo e a ocupação irregular estão destruindo a riqueza da APA da Lagoa Encantada é um escândalo silencioso. A ocupação irregular nessa região, despertada pela contraposição dos movimentos populares por habitação, frente ao anuncio da polêmica construção do Porto Sul, tende a provocar um impacto à Mata Atlântica superior à construção do próprio complexo se for continuado nesse curso. As matas da Tulha, agora previstas para se transformarem em parque, como uma das contrapartidas do porto foram invadidas. É imperativo que a gestão se manifeste em um quadro que se agrava, por não haverem regras claras, entre o que é natureza protegida para a coletividade, e o que é "ocupável". Todo mundo quer colher caju, mas estão queimando a restinga dos cajueiros ano após ano. Junto com os cajueiros centenários perdemos água doce, japaras (afloramentos de água na superfície, formando lagoas), brejos, nascentes, grande fauna e flora.

Aproveitando o incêndio florestal, que deixou um bombeiro ferido, quis saber um nome para esse local tão maravilhoso, com uma nascente no pé do morro, e muitas espécies florestais centenárias. Trata-se de uma fazenda de cacau, e o proprietário falou que o povo conhece esse morro de pedras como Pedra de Santa Rita. É muito rara uma floresta remanescente como esta na região, onde se destacam também duas cavernas já mapeadas e estudadas pela UESC. Hoje, dia 4, voltei ao local e observei pouca fumaça, e o vento enfim, calmo.

Vale lembrar que segundo botânicos da CEPLAC e do Jardim Botânico de Nova York, espécies raras, endêmicas e ameaçadas como a Harleyodendron unifoliolatum, Brodriguesia santosii e a Ruellia affinis são conhecidas apenas dessa região.

    


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