domingo, dezembro 20, 2015

Invasão e Fogo no “Parque da Tulha”, uma floresta compensatória para o desmatamento do Porto Sul.


Enquanto acordarmos e nos deparamos mais uma vez com o professor Rui Rocha no Bom Dia Brasil da TV Globo, bravo, e esperançosamente, tentando lembrar à opinião pública nacional que tem Mata Atlântica debaixo do projeto do Complexo Porto Sul, outro problema, pepino que não foi bem descascado nas audiências públicas do Complexo porto Sul permanece invisível, apesar de escandaloso, não fosse os blogueiros e outros beija-flores.

As fotos que ilustram essa reportagem foram realizadas hoje. É mais um esforço de reportagem que comemora os sete anos desse seriado alternativo, que fiz para falar de coisas boas que essa terra tem, e que não se encontra em nenhuma outra. Possibilidades maravilhosas. Mas os tempos não são bons, e uma das paisagens mais famosas do litoral brasileiro pelo seu estado de conservação está coberta de fumaça. Há exatos vinte dias, o fogo consome o verde por dez quilômetros da rodovia Ilhéus-Itacaré entre a Vila Juerana, Joia do Atlântico e Ponta da Tulha. É um fogo que bombeiro não apaga, pois revela a estratégia de uma nova onda de ocupação irregular no município de Ilhéus.  

As matas preservadas da Ponta da Tulha ficaram famosas ao terem sido desapropriadas pelo governo federal, em 2009, para a construção do Complexo Porto Sul, gerando protestos dos ambientalistas que repercutiram nacionalmente. Seis anos depois, o projeto mudou a sua localização, reconheceu os valores ecológicos da Tulha, onde passou a planejar a criação de uma Unidade de Conservação, como forma de compensação para o desmatamento que espera conter em seu empreendimento.

No entanto, avesso e contrário à opinião científica, e na contramão do planeta, o impacto para a conservação da água e biodiversidade da Mata Atlântica chegou bem cedo em uma performance social de desempenho inimaginável. Silencioso, rápido, organizado, sem resposta oficial, sem mídia nacional, sem o pronunciamento de nenhum partido político. Uma invasão histórica, a maior desde aquela motivada pelos refugiados da crise do cacau, que foram assentados sob os manguezais, formando os populosos bairros do Nelson Costa e Teotônio Vilela. Nessa nova onda, as motivações são mais sutis, e complexas; envolvem um debate social, a crise do público x privado, e se agrava no oportunismo do contexto político pré-eleitoral.

A lógica aparente é que, se o governo está chamando o capital (grandes empresas, os Chineses, etc) para ocupar a região, e as classes A e B acabam sendo "privilegiadas", isto deu o sinal verde para diversos movimentos, dispersos mais uníssonos, ocuparem as baixadas litorâneas da região norte de Ilhéus, e entorno da Lagoa Encantada. Queimar para ocupar é a resultante de um movimento de invasões que já extrapolam a competência do município, e pode ser decisivo para as eleições, só não sabemos até que eleição. A dimensão política eleitoral de milhares de pessoas envolvidas faz o movimento ter força, e se comportar como um poder público paralelo, prefeitura alternativa que desenha a nova cidade do século XXI, determinando a ocupação e uso do solo para moradores de primeira e segunda moradia e várias faixas de renda (C,D e E). Infelizmente tudo isso, sem planejamento, e mesclado com o fogo que caracteriza terrorismo ambiental. 

Não tomando partido de pobre, ricos ou intermediários, e sabendo que condomínios oficiais também degradam, e que reconhecidamente essa grande invasão se formou e se organizou à partir do Condomínio Joia do Atlântico, claro é que o conjunto desse movimento social ignora o meio ambiente em seu pleito, e sem precauções e afinidade com o resguardo de matas e áreas especiais de conservação, tem tocado fogo nos principais remanescentes, incluindo aqueles indicados pelo próprio governo para ser um parque, o parque da Tulha. Sem regras, um grupo ocupou o parque, serrou madeira e tocaram fogo na mata. De forma completamente irracional, um pequeno grupo, muito pobre, ocupou as margens de um dos pequenos riachos que formam a Barra do Joia do Atlântico, que nasci naquele mesmo local, e banha milhares de turistas com água doce à beira mar.

A presidente Dilma, incerta dos conhecimentos ecológicos, e especificidades locais, calou o IBAMA com um decreto presidencial para a passagem do desmatamento do Porto Sul, como "uma obra de interesse nacional", mas não soube aparar as arestas institucionais da agressão que antecede, e se projeta de forma tão agressiva quanto o desmate oficial do projeto. Não escrevemos para denunciar, nem falar de corrupção e corruptores, mas da riqueza e necessidade de proteção da biodiversidade da Mata atlântica de Ilhéus, e a justiça social pós Era do cacau que esperamos alcançar em uma nova e moderna plataforma de desenvolvimento que olhe para esse futuro. Mas nem eu, nem ninguém imaginou a cidade de Ilhéus se projetando sobre as matas das praias do norte em direção a Lagoa Encantada de forma rápida e desordenada. O que será feito dos programas ambientais do Porto Sul, se as áreas a serem protegidas estão sendo ocupadas? O cumprimento da compensação do Complexo Porto Sul está em cheque. 

Futuro incerto, e uma certeza: Quando se tem o poder público e o povo se juntam contra o meio ambiente, não existe bombeiro que apague as chamas da degradação. Não sou otimista quanto ao futuro da Mata Atlântica nessa região, e as unidades de conservação existentes tendem a se tornarem ilhas verdes. A experiencia me leva a crer que esse movimento social se sobrepujará a realidade ambiental, e que o MP federal ainda vai demorar para cumprir o seu dever, sua obrigação legal e moral de determinar a retirada dos invasores, ao menos do suposto Parque da Tulha, a floresta compensatória do mega-desmatamento do Complexo Porto Sul.

Como na onda de imigrantes da crise do cacau, essa onda de ocupações irregulares extrapola o poder municipal, e deve se decidir na esfera federal, aliado do governo do estado. Eles vão determinar se a invasão vai parar, e quando. Da mesma forma, quando e quem vai parar, limitar, demolir as construções contestadas? Não será uma decisão fácil, mas alguma coisa vai acontecer, não pela floresta, mas pela moralização do próprio Porto Sul. Enquanto isso, enquanto não chove forte, o fogo continua matando animais como as preguiças-de-coleira, matando as fontes de água em tempos de tanta escassez.

Precisamos de reflexão, e essas matérias são insuficientes, parecem um esforço inútil; o fato vira poesia, notícias não causam impacto, e nada muda, nada acontece, e mesmo que se escreva durante sete anos, o erro permanece. Literatura da realidade ambiental, linha do tempo histórica, memorial das imagens que inspiram a reflexão crítica, o questionamento, a participação e a democracia, e acima de tudo, o sonho, o ideal, o melhor cenário, o mais justo; aquele em que a conservação ambiental é bem sucedida. Queria enviar um SOS, tocar a sirene, acordar o povo, e na ordem do dia, chamar minha presidenta para que ela decrete ao sul da Bahia, não apenas o projeto de impacto ambiental, mas com toda urgência, um projeto de conservação das florestas, biodiversidade e mananciais hídricos. 

Vale lembrar que essas matas protegem o principal manancial conservado da região, e é a sua principal fonte de água potável. Também são únicas, biologicamente, representando um mosaico de diversas vegetações, de restinga, matas higrófilas, ombrófilas e de encosta. Nessa floresta, um conjunto de espécies dominantes da paisagem não são tão raras, mas muitas espécies que ocorrem em pequeníssimos trechos, e não são dominantes, só são conhecidas daí. Várias dessas espécies são apontadas pelo Herbário Andre Maurício Vieira de Carvalho (CEPLAC-CEPEC) e Jardim Botânico de Nova York como ameaçadas de extinção em futuro próximo, e isto foi dito há trinta anos. É preciso entender, que realmente, que, às vezes, em um espaço mínimo dessas matas , tem sido descobertas espécies endêmicas e raríssimas, nunca vistas em outro lugar da própria Mata Atlântica. 

Um conjunto de matas, rios e praias conservadas que não se encontra mais em todo o leste oriental do Brasil deveria trazer notícias boas, mas, infelizmente, as notícias ruins também precisam ser mastigadas, ainda que indigestas. Há quase duas décadas o desmatamento dessa região me deu a honra, como chefe do IBAMA de ter um parágrafo no Washington Post. Essa continua sendo a notícia que temos que dar, pois a importância da biodiversidade dessa região, revelada pelo cinquentenário herbário Andre Maurício Vieira de Carvalho, ainda não é conhecida dos ilheenses, nem é valorizada pelo Brasil, mas ela é enaltecida pelos cientistas, habita a história europeia e os jardins botânicos do mundo inteiro.

Essa nossa Ilhéus, a cidade que nasceu como um porto protegido pelas pedras do mar, se transformou diante de um porto em mar aberto, e agora decide seu destino com um terceiro porto para mais uma longa jornada de impactos ambientais. Transformações da paisagem que estão bem documentados por todos. Para fugir de decepções repetidas e depressão, quero transformar Acorda Meu Povo em livro, em um retrato de biblioteca para uma reflexão desses sete anos, em relação ao futuro que sonhamos, e aquele que teremos em duas décadas - 500 anos de Ilhéus.

Enquanto isso, o Rio de Janeiro inaugura o Museu do Futuro, e não faltam bons exemplos de cidades brasileiras com qualidade de vida, conservação e economia criativa em movimento. Aqui, infelizmente, por enquanto, nem com o futuro se pode sonhar em paz, pois o cotidiano é incerto. Portanto, é melhor garantir um retrato do processo, do passado para lembrar, e poder então seguir, sem sofrer tanto com o que poderia ser feito, não se faz, e eu não consigo compreender. Quem pode?



                                 










  





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